Carla Aparecida Arena Ventura

A pesquisadora que busca na interseção entre direito internacional e saúde pública o enfrentamento às desigualdades e o melhor  acesso a serviços de saúde

Por Vitória Régia da Silva

Diretora do Centro Colaborador da Organização Pan-Americana da Saúde, da Organização Mundial da Saúde (OPAS/OMS), pesquisadora atua na produção de conhecimento na frente acadêmica e em de organismos internacionais

A paulista Carla Aparecida Arena Ventura fez sua primeira graduação em Relações Internacionais na Universidade de Brasília (UnB). Durante o curso, se interessou pela área do direito e decidiu investir na especialização de Direito Internacional, com um novo curso, na Universidade Estadual Paulista (Unesp). Professora titular do Departamento de Enfermagem Psiquiátrica e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP), ela estuda há mais de 15 anos direito internacional relacionado à saúde. Os pontos comuns entre suas pesquisas estão no olhar para populações mais vulneráveis, iniquidades sociais, estigmas e possibilidades de trabalho junto com a comunidade buscando avançar nos cenários.

Coordenadora do grupo interdisciplinar Grupo de Estudos e Pesquisas em Enfermagem, Saúde Global, Direito e Desenvolvimento (GEPESADES), criado em 2012, a pesquisadora desenvolve pesquisas na área da saúde global, utilizando o referencial dos direitos humanos. “Atuamos em diferentes linhas de pesquisa, com foco na saúde de forma geral, participação social e saúde mental, além de experiências de violações de direitos de outros grupos vulneráveis da população, como violência contra a mulher, crianças, pessoas usuárias de drogas”, explica Ventura.

Um dos principais eixos das suas pesquisas é a participação social na saúde, com estudos sobre a atuação dos Conselhos Municipais de Saúde, que se estende à judicialização do acesso. Quando uma pessoa não consegue realizar exames, receber algum tipo de medicamento ou ter acesso à internação, ela busca assegurar esse direito por outras vias. Primeiro, administrativamente. Em seguida, recorrendo ao judiciário.

Esse movimento, segundo ela, vem acontecendo com frequência no país. “Temos uma grande dificuldade ainda no país, que é sobre os usuários do Sistema Único de Saúde se entenderem como sujeitos de direitos”, avalia a pesquisadora. “E ainda existe um preconceito com relação aos direitos humanos, porém as pessoas que já têm essa visão de direitos e cidadania, quando não têm seus direitos garantidos, buscam o judiciário”, completa. Devido ao aumento desse processo de judicialização no país, Ventura destaca a necessidade de integração dos profissionais do direito, que vão atender essas demandas no judiciário, com profissionais da saúde.

Encarceramento

Outros temas investigados pela pesquisadora são saúde mental e encarceramento. Em parceria com o Conselho Nacional de Justiça, Ventura coordena a pesquisa “Encarceramento, políticas públicas e atuação da Justiça em territórios de vulnerabilidade social”. Realizada em sete cidades do Brasil desde o ano passado, o estudo investiga se há associação entre prisão e local de residência e recomenda ações para o aprimoramento da prestação jurisdicional.

Extensão e diálogo com a comunidade

O intercâmbio internacional entre pesquisa e organizações voltadas à área dos direitos humanos é fundamental para Ventura. Diretora do Centro Colaborador da Organização Pan-Americana da Saúde, da Organização Mundial da Saúde (OPAS/OMS) para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, desde 2017, já foi coordenadora-executiva da Rede Global de Centros Colaboradores da OMS (2008 a 2014). “Esta possibilidade de intercâmbio internacional é fundamental para o fortalecimento de parcerias nacionais e internacionais que resultem em ações de melhoria dos sistemas de saúde e da saúde das pessoas, de forma geral”, destaca. E foi devido ao reconhecimento internacional de seu trabalho que recebeu uma homenagem da Princesa Muna Al Hussein da Jordânia pela contribuição prestada à Enfermagem Global, em 2010.

Apesar de reconhecer as iniquidades de gênero e ser referência na sua área, Ventura relata que busca transformar os desafios em oportunidades. “Acredito que esta postura tenha sido extremamente relevante para a construção da minha carreira acadêmica.”

Das pesquisas desenvolvidas pelo Gepesades surgiram ideias para o desenvolvimento de atividades de extensão com a comunidade, especialmente voltadas para a educação em direitos humanos. Dessa forma, foi criado o Centro de Educação em Direitos Humanos e Saúde (CEDiHUS) para atuar nesse campo, em 2017. Um desses projetos de extensão é o “Liderança e Mobilização Social: fortalecendo a participação social, cidadania e equidade em saúde”, desenvolvido com alunos do ensino fundamental de escola pública do município de Ribeirão Preto.

“São encontros em que são trabalhadas habilidades de liderança e educação em direitos, com enfoque na participação social e em meios de controle social, como a participação no Conselho Municipal de Saúde. Nossa proposta é expandir este projeto para outras escolas da região de Ribeirão Preto”, conta a pesquisadora. “Ainda, em 2020, estaremos envolvendo também os membros do Conselho Municipal de Saúde nas atividades deste projeto”.

Uma crítica que Ventura faz a Academia é a forma distanciada que desenvolve pesquisas, que não dialoga com as comunidades e chega com “soluções prontas”.  “Desde o começo do nosso trabalho nessa área, fazemos avaliações e percebemos que as pessoas não conhecem os seus direitos, por isso é importante trabalhar em conjunto com as pessoas e comunidades para dar visibilidade ao tema e construir outras possibilidades. Precisamos dialogar e aprender com as pessoas”. Por isso, no seu trabalho, organiza intervenções de divulgação científica e de direitos humanos para que a comunidade, profissionais da saúde e usuários do SUS façam parte do processo e conheçam seus direitos.

Carla Aparecida Arena Ventura
UNIVERSIDADE DE DOUTORADO
Universidade de São Paulo (USP)
ÁREA DE PESQUISA MAIS RELEVANTE
Direito
TÍTULO DA PESQUISA
Políticas e leis sobre drogas ilícitas no Brasil e a perspectiva de familiares e pessoas próximas a usuários de drogas: estudo na Cidade de Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil
ONDE VIVE
Ribeirão Preto (SP)
O QUE NÃO PODE FALTAR NA CIÊNCIA BRASILEIRA?
Investimento. “Não pode faltar investimento financeiro e acima de tudo, esta aproximação com as reais necessidades das pessoas, para que os resultados das pesquisas desenvolvidas reflitam em benefícios diretos para as comunidades”