Helena Carla Castro

Helena Carla Castro, a cientista que persegue a cura para infecções

Por Vitória Régia da Silva

“A partir da percepção da exclusão de pessoas como eu e de eu sempre ser a única nos espaços acadêmicos foi que percebi minha identidade racial, enquanto mulher negra”, revela Castro

A pesquisadora Helena Carla Castro tem um objetivo: pesquisar novos tratamentos e cura para doenças. Para a coordenadora do Laboratório de Antibióticos, Bioquímica, Ensino e Modelagem molecular (LABiEMol) da Universidade Federal Fluminense (UFF), em Niterói (RJ), essa busca sempre foi a constante de sua carreira científica “O tema principal das minha pesquisa sempre foi o mesmo, buscar a cura para alguma doença. A diferença era de qual doença. Durante o mestrado foi envenenamento por serpentes, depois migrei para problemas cardíacos e quando fui para a UFF comecei a trabalhar com infecções”, conta Castro.

Diante da resistência bacteriana e do aumento na dificuldade do tratamento das infecções, sua pesquisa busca identificar novos alvos terapêuticos e novos protótipos a medicamentos. “A dificuldade de tratamento de novas bactérias e das bactérias super resistentes é uma questão que ninguém fala amplamente. E é difícil mesmo falar porque todo mundo entra em pânico, então fica tudo meio velado, a indústria farmacêutica não quer investir nisso, não é interessante financeiramente”, afirma.

Castro explica que existe uma vertente na qual é possível estudar a própria bactéria para achar a cura. Em pesquisa realizada em parceria com pesquisadores da Inglaterra, seu laboratório buscou um antibiótico dentro da bactéria “Isso é possível porque elas vivem em conjunto e precisam de um equilíbrio, então elas têm esse mecanismo de produzir um antibiótico ou antibacteriano contra a outra bactéria”.

Só que em relação as bactérias mais resistentes essa possibilidade é mais baixa, segundo a pesquisadora. “Por isso, o uso de antibióticos discriminados é muito perigoso, porque você mata essas que são as bactérias que competem com ela, que fica porque é resistente aos antibióticos, enquanto você mata as outras que controlam ela”, disse.

No LABiEMol, que está situado no Morro do Valonguinho no Centro da cidade de Niterói e está de mudança para outro campus na mesma cidade, que todo esse trabalho acontece. Foi no meio desse processo que a pesquisadora recebeu a equipe de reportagem. A mudança e o novo espaço significa a ampliação do trabalho do laboratório que atua principalmente em três frentes. Tudo começa no setor de planejamento de novos fármacos, depois os pesquisadores da química sintetizam o medicamento planejado, já que LABiEMol não realiza essa parte, e seguem para a segundo setor que é o teste em bactérias e fungos. Além disso, o laboratório tem um setor de divulgação, para comunicar sobre suas pesquisas e questões de saúde.

“No laboratório, trabalhamos com um número considerável de bactérias, que são aquelas de importância clínica, mas temos achado mais antibacterianos para bactérias ligadas à questão respiratórias e bactérias gram-negativas que são mais difíceis de tratar porque tem uma membrana e o antibiótico não entra”, conta a pesquisadora.

Compromisso com a educação

Castro teve formação dupla no ensino médio, quando também fez curso profissionalizante para ser professora primária. Quando a soteropolitana mudou-se para o Rio de Janeiro para fazer a graduação em Farmácia, trabalhou como professora primária no Complexo do Alemão, um conjunto de favelas no Rio de Janeiro. “Trabalhei no Alemão em uma época difícil. Não era difícil para mim enquanto professora, mas para as crianças e, infelizmente, continua sendo. Isso me marcou muito porque fiquei pensando no chamado: ‘você pode ir embora, mas não pode esquecer’.”

Tal reflexão sobre a importância na educação, aliada ao seu compromisso de sempre colaborar com  a comunidade, fez com que professora que já atua no Ensino Superior há quase duas décadas investisse em um projeto de pesquisa que se propõe a atuar na divulgação da ciência de forma inclusiva, através de materiais didáticos e discussões para estudantes com necessidades especiais de ensino, desde 2004. Seu trabalho já rendeu diversos frutos no ensino superior, como a criação do Curso de Mestrado Profissional em Diversidade e Inclusão da UFF e o Curso de Doutorado em Ciência, Tecnologia e Inclusão na mesma Universidade.

Pesquisa e maternidade

A professora associada do Instituto de Biologia da Universidade Federal Fluminense (IB/UFF) começou na docência logo depois do doutorado e foi no mesmo momento que teve sua primeira filha. Como contou com apoio de seu companheiro, que também é professor universitário, não sentiu muito o impacto da maternidade na sua área, mas diz que seu departamento deve ter sentido. Isso porque ela entrou de licença-maternidade logo após ter sido aprovada no concurso para ser professora. Ela conta que voltou a trabalhar logo, porque se sentia em compromisso com a chefe do departamento. Esse tipo de pressão na carreira científica é um das dificuldades quando tratamos de mulheres na ciência.

“A maternidade não deveria ser algo negativo porque não é de fato, mas é vista na ciência dessa forma, como algo que atrapalha e atrasa a mulher. Infelizmente, a realidade é que se a mulher não tem apoio ou suporte é muito difícil que [a chegada do filho] não impacte na sua produção e pesquisa”. Castro faz parte grupo de trabalho Mulheres e Ciência da UFF, que discute o papel da mulher, maternidade e seus desafios no espaço acadêmico.

A pesquisadora enfrenta as questões de gênero e raça, por também ser negra. Como foi adotada por uma mulher branca, descendente de alemães, cresceu sem vivenciar uma discussão mais profunda de sua identidade racial. Ela diz que se via como “a menina sem cor”, e foi só tardiamente, quando entrou para a academia, que o entendimento sobre isso mudou. “A partir da percepção da exclusão de pessoas como eu e de eu sempre ser a única nos espaços acadêmicos foi que percebi minha identidade racial, enquanto mulher negra. Comecei a reparar como eu era a única negra na universidade, e nos congressos uma das poucas”.

Recorda um episódio vivenciado durante seu doutorado sanduíche na Universidade da Califórnia (EUA), onde passou um ano. Estava saindo da universidade quando foi abordada por um homem negro que a questionou sobre o que estava fazendo ali. Quando ela contou que fazia doutorado, ele a chamou de “irmã” e a parabenizou. Essa situação, somada ao fato de ser à época a única negra no seu departamento na renomada instituição, fez com que começasse a pensar mais sobre negritude e o lugar das pessoas negras na produção científica.

Para Castro, os principais desafios de ser mulher e negra na ciência brasileira é não se ver nos espaços de discussão.“Se a constituição atual da ciência brasileira é a de uma mensagem de pertencimento desse lugar, mulheres negras não pertencem porque são raríssimas”, analisa. “Para mim, bastava ter inteligência, mas quando você não se vê nos lugares, percebe que a identificação racial também é importante para outras pessoas que querem se identificar nesse meio”

Apesar da ausência de referências negras em sua formação, Castro teve as mulheres para inspirá-la. A primeira delas foi sua mãe, que já rompera algumas barreiras de gênero por trabalhar em uma área que na época era majoritariamente masculina, o setor bancário: “Eu nunca soube que não podia e isso é mágico, porque sempre nos falam que você não pode porque é mulher, porque é negro e eu nunca ouvi isso. Por isso, ter uma figura feminina e que me apoiava foi importante para que eu enxergasse a academia e a pesquisa como o meu lugar também.”

Helena Carla Castro
UNIVERSIDADE DE DOUTORADO
Universidade Federal do Rio de Janeiro
ÁREA DE PESQUISA MAIS RELEVANTE
Microbiologia
TÍTULO DA PESQUISA
HIV-1 reverse transcriptase: a therapeutical target in the spotlight
ONDE VIVE
Niterói (RJ)
O QUE NÃO PODE FALTAR NA CIÊNCIA BRASILEIRA?
Reconhecimento. “Estamos em um cenário muito triste para a ciência, que é da falta de reconhecimento da importância do que você faz e de como a ciência e a pesquisa são importantes para a sociedade”